segunda-feira, novembro 10, 2008

Sobre a polêmica da data de fundação de Fortaleza














OPINIÃO

André Lima*


A respeito da recente polêmica inaugurada a partir da proposta do Sr. Adalto Leitão de alterar a data de fundação da cidade de Fortaleza de 1826 para 1604, faço duas perguntas. O que torna um fato histórico mais relevante que outro? A partir de que interesses pode-se privilegiar um marco em detrimento de outro? É importante relembrar alguns eventos. A data oficial marca a transformação de Fortaleza da condição de vila para de cidade. Não há problema no questionamento desta data, mas qualquer questionamento não pode ser basear na conveniência de interesses específicos, mas sim sob rigoroso método que leve em consideração os interesses do povo de Fortaleza.

A data proposta por Leitão não convém por vários motivos. A chegada de Pero Coelho de Sousa carece de importância histórica e é extremamente prejudicial em termos simbólicos. O Forte de São Tiago foi construído em 1604, após as tropas de Pero Coelho haverem dizimado o núcleo colonial francês estabelecido em 1590. Os franceses contavam com o apoio dos índios Tabajaras (pode-se supor que haviam estabelecido outra forma de convivência com os índios, diferente estabelecida pelos portugueses após sua chegada). Após a construção do forte, Pero Coelho retornou à capitania da Paraíba,deixando para trás 45 homens, voltando somente 18 meses mais tarde. Diante da falta de recursos, dos constantes ataques dos índios e das dificuldades de comunicação com a capitania da Paraíba, deliberou-se pelo abandono da povoação e do Fortim em 1605, tendo a guarnição se recolhido na capitania do Rio Grande do Norte. O estabelecimento do Forte na barra do Ceará, bem como seu abandono pelas tropas de Pero Coelho, poderia ser considerado sob outro aspecto, como um marco histórico resultado da resistência indígena. Entretanto, mesmo que assim fosse feito, àquela época, não existia cidade no lugar em que hoje é Fortaleza.

Os sinais mais fortes de urbanização - dinâmica geral de formação das cidades; só vieram a ocorrer em Fortaleza na segunda metade do século XIX. Isso se deu quando em função da guerra de secessão nos Estados Unidos (1861-1864), o Ceará passou a ser grande produtor de algodão e Fortaleza foi quem monopolizou a importação deste produto, que atendia a demanda nascente revolução industrial. Somente a partir daí é que a dinâmica urbana se instalou para ficar nesta cidade. Perceba que já nesta época, mesmo numa conjuntura de escravidão, os centros mais dinâmicos do capitalismo já ditavam a dinâmica econômica, social e espacial de lugares tão distantes de sua origem.

Dos mesmos barcos em que saía o algodão, vinham produtos manufaturados que contribuíram para o surgimento de uma nova classe social e que não necessariamente era proprietária de terras e escravos: a burguesia comercial. Para Karl Marx, em “A Ideologia Alemã”, o comércio surge como expressão da universalização do capital, expresso na troca de produtos entre cidades e localidades. O mesmo provocou a divisão do trabalho culminando na formação de um mercado mundial, acelerou a acumulação de capital e criou ainda a grande burguesia. Este é um bom e possível critério para caracterizar a formação de uma cidade. É a partir da lógica geral do urbano que Fortaleza vai, aos poucos, ganhando contornos de cidade.

O estabelecimento de uma data específica e factual tem valor unicamente para fins comemorativos e pode ser relativizada. Mas pela importância e valor simbólico, não deve estar submetido à interesses mercadológicos, como os interesses turísticos, tal qual defendido pelo proponente da nova data. Além do que, a auto-estima dos habitantes de uma cidade é menos exógena e mais endógena. Está na capacidade deles identificarem sua condição de classe despossuída (trabalhadora-assalariada), suas raízes históricas, bem como, de lutarem pela superação desta condição. Não vejo motivos para alterar a data de fundação da cidade de Fortaleza.


*economista, mestrando em Georafia UFSC. email: andrelima@riseup.net

segunda-feira, junho 23, 2008

terça-feira, abril 22, 2008

Que viva Paraguay!

(una pequeña crónica guarany)

João Alfredo Telles Melo

Para Félix Sánchez, João Luis Duboc Pinaud e João Pedro Stedile


Escrevo este relato já impactado pelos primeiros resultados que dão a vitória ao ex-bispo Fernando Lugo, da Aliança Patriótica pela Mudança (Câmbio, em espanhol, daí a sigla APC), que atenua o cansaço de um dia que começou às 4 da manhã deste domingo, 20 de abril, para trabalhar como observador internacional nas eleições gerais paraguaias, como um dos representantes indicados pela Via Campesina/MST.

Muitos sentimentos me povoaram nesta rápida passagem de um pouco mais de dois dias em Assunción. Ceticismo, um pouco de interesse e, principalmente, de curiosidade me acompanharam desde que saí à tardinha, da sexta, dia 18, de Fortaleza rumo ao Paraguay. Afinal, meu espírito crítico extremamente aguçado me fazia desconfiar de uma aliança de partidos e movimentos de esquerda com um partido autodenominado liberal (que indicou o vice da chapa), ainda que a candidatura de Lugo, um bispo comprometido com a causa dos pobres, militante da Teologia da Libertação, me inspirasse uma simpatia de quem já havia acompanhado com fervor, há quase trinta anos, a Revolução Sandinista da pequenina Nicarágua. Experiência, que, com a participação decisiva da igreja popular, embalou (e depois veio a frustrar) os sonhos de juventude de minha geração.

Dentro do avião, no trecho São Paulo/Assunción, ao ler um importante periódico paraguaio, recebo o primeiro choque de realidade: uma nota da associação representativa dos proprietários rurais desancando o programa agrário do movimento "Tekojoja", que dá suporte à candidatura da APC. Ali, os ruralistas, muitos deles certamente de origem brasileira, rechaçavam, virulentamente, as propostas de agroecologia, reforma agrária e agricultura familiar que orientam o programa de desenvolvimento rural de Lugo. A luta de classes irrompia através do lado mais "moderno", do ponto de vista do capital agropecuário, o do agronegócio, que segue, no entanto, extremamente arcaico em sua face socioambiental. O programa de câmbio, no campo, se mostrava para valer e isso já impactava meu olhar e meus sentimentos.

No entanto, foi o contato - em que pese o pouco tempo de permanência - com o povo paraguaio que me foi cativando e me desvendando uma realidade até então desconhecida para mim. Chegar ao aeroporto de madrugada, sem ninguém a me esperar, e ter a ajuda, de forma interessada e gentil, de um taxista para me levar a uma pousada, começou a me revelar uma característica tão próxima a meus conterrâneos cearenses, a hospitalidade. Mas, não só. Suas raízes indígenas, a língua guarany, da qual não abrem mão, o orgulho de sua história, o amor a seu país, a vontade de mudança política estiveram sempre presentes nas falas que colhi do povo mais simples de Assunção.

Um capítulo à parte, para mim, foi o contato com a língua guarany, que, à maneira dos ideogramas orientais, permite traduções não literais e têm uma riqueza muita larga de significados. Observe-se "Tekojoja", nome do movimento da candidatura de Lugo. Dos paraguaios, ouvi três diferentes traduções: "todos juntos", "estamos (ou vivendo) juntos" e "somos todos iguais", que me pareceu a mais apropriada (embora sem contradição com as demais), pois "joja" significa "paralelo", "no mesmo plano", a dizer que ninguém é maior do que o outro (como que recuperando o "ethos" da república comunista-cristã dos guaranys, de Sepé-Tiaraju). Nessa hora, não dá para esconder uma ponta de inveja por termos perdido quase que completamente, pelo decreto de Pombal, nossa língua geral brasileira, o "nheengatú" (que sobrevive em pouquíssimos recantos do Brasil), de raízes tupi, pela imposição do português como idioma único e oficial.

Ouvir deles que seu herói nacional é o "Mariscal (Marechal) López" - o Solano López, pintado como um ditador implacável em meus livros de história do primário - não deixa de nos trazer um certo sentimento de vergonha, pelo que o Brasil, a Argentina e o Uruguay, em sua Tríplice Aliança, fizeram covardemente com esse povo, ao matar centenas de milhares de homens, destruir a nascente infraestrutura do país, golpeando, significativa e fortemente, o desenvolvimento desse país.

Nessa hora, é que nosso sentimento de solidariedade emerge com muita força e se fortalece ainda mais pela companhia, multidiversa e multipartidária, dos observadores eleitorais convidados pela APC. Gente de todo o mundo, de partidos de esquerda e centroesquerda, que viemos a Assunção para presenciar o início do que esperamos venha a ser uma verdadeira Revolução Democrática, através da derrota - e agora os resultados se confirmam – de 61 anos de corrupção, violência e exploração do povo guarany pelas elites políticas e econômicas, representadas, principalmente, no Partido Colorado.

Agora, os noticiários televisivos confirmam a vitória de Lugo (com o reconhecimento da derrota pelos dois principais adversários, a oficialista Blanca Ovelar e sua dissidência, de corte militarista, o General Oviedo) e o povo já toma as ruas, marchando, com suas bandeiras tricolores e buzinaços, em direção à Praça do Panteón. Estranha – e explosiva – metamorfose! Durante todo o dia, o que vimos foi a presença ofensivamente ostensiva da estrutura do Partido Colorado: carros, camionetas, ônibus, a carregar os eleitores, sem nenhum pudor de portar, inclusive, às portas das seções eleitorais, cartazes, adesivos, bandeiras, demonstrando a prepotência de mais de 60 anos de dominação e corrupção. As aparências – que enganavam o observador mais leigo – escondiam a decisão - já tomada, mesmo que de forma discreta, porém resoluta, pela ampla maioria do povo – de derrotar o regime que lhe infelicitava há décadas.

Esse sentimento latente já se manifestara, ali e acolá, quando os fiscais dos partidos de oposição nos procuravam, aos observadores internacionais, para denunciar as mais variadas formas de corrupção eleitoral (tão conhecidas de nós, brasileiros), como as ameaças aos servidores e a compra de votos junto aos eleitores pobres. Na periferia, observamos o caso de mais de quatrocentas famílias que haviam sido pressionadas a votar nos colorados, sob pena de serem expulsas de uma ocupação recente. A preocupação maior, no entanto, era com a fraude, no momento da feitura das atas pelas mesas eleitorais, que funcionariam também como mesas apuradoras. Aliás, só o receio da fraude é quem pode explicar o fato de que, nas pesquisas de boca-de-urna, eleitores de Lugo desacreditarem de sua vitória. No entanto, a ampla maioria de quase dois votos a um, nas urnas da capital, para a candidatura do "Câmbio" ("palavra mágica", no dizer de Lugo, em sua primeira coletiva de imprensa após a eleição), e sua ampla e imediata divulgação, é que veio a impedir qualquer tentativa de corromper o resultado eleitoral.

O que vai se passar, em nosso vizinho, a partir de agosto, quando o candidato dessa ampla aliança de partidos e movimentos tomar posse, é a indagação que fazemos os socialistas de todo o mundo que para lá acorremos e nos tornamos testemunhas dessa virada histórica. Como vão se dar as negociações com o governo brasileiro, em torno do preço – atualmente injusto e defasado - da energia de Itaipu, diante do que o programa da APC designa de "soberania energética"? Será possível a construção de um novo modelo de desenvolvimento rural – social e ambientalmente justo e responsável - com a realização de uma reforma agrária ecológica, que golpeie o latifúndio, os transgênicos, os agroquímicos e a monocultura e devolva a terra para os seus legítimos donos? A governabilidade de Lugo vai se sustentar unicamente em sua contraditória frente partidária ou se apoiará na organização e mobilização dos movimentos sociais? O que seria essa "terceira via" entre Lula e Chávez a que o bispo, agora presidente, se referiu quando questionado sobre seu modelo de governo? O tempo – e a luta social – é quem nos dirão. Agora, o que fica em minha memória é a resposta do taxista que me levou ao aeroporto, quando lhe perguntei "Que tal?". Ele me disse tão somente: "Especial!".

João Alfredo Telles Melo, é advogado, professor e ex-deputado federal pelo PSOL/CE.

segunda-feira, julho 23, 2007

quinta-feira, julho 19, 2007

Governo Cid Gomes mostra descaso e falta de compromisso com as políticas para as mulheres

Em seis meses de governo, o governador Cid Gomes conseguiu acabar com o pouco que havia no governo estadual, de políticas e ações de promoção da igualdade para as mulheres

Fórum Cearense de Mulheres

A menos de três dias da II Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres, o governo estadual não assegurou hospedagem e alimentação para as delegadas do interior do Estado. O governador Cid Gomes também não comparecerá à Conferência. Diferentemente de seu antecessor, que esteve presente na I Conferência Estadual, realizada em 2004, onde recebeu, do Fórum Cearense de Mulheres, a "Carta das Mulheres Cearenses para acabar com a violência contra a mulher no Ceará".

Para o movimento de mulheres, este descaso do governador com a Conferência de Políticas para as Mulheres só confirma a falta de compromisso de seu governo com um segmento que representa nada menos do 52% da população do Estado.

Desde janeiro os movimentos de mulheres, em negociação com prefeituras e com o Conselho Cearense de Direitos da Mulher vêm participando da organização da II Conferência Estadual de Políticas para Mulheres, que acontecerá dias 30 de junho e 1° de julho, no auditório do Sebrae, em Fortaleza. A Conferência Estadual é a etapa local da II Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, que acontecerá em Brasília, de 18 a 21 de agosto, realizada pelo governo federal.
Passados cinco meses, o balanço do movimento de mulheres é muito negativo. Além do pouco envolvimento da maioria das prefeituras, houve uma baixíssima (quase zero) participação de funcionárias do governo estadual nas etapas regionais. O que demonstra que o governo do Estado pouco ou quase nada se preocupa com as políticas para as mulheres.

Para o Fórum Cearense de Mulheres, o que ocorre no governo do Estado atual é um verdadeiro retrocesso, se comparado com o governo anterior, de Lúcio Alcântara. Este, além de ter recebido os movimentos de mulheres por mais de uma vez, elaborou, ainda que tímido, um pequeno plano de políticas para as mulheres, intitulado "Por Amor à Vida da Mulher". O plano era de responsabilidade da antiga SIM-Secretaria de Inclusão e Mobilização Social, extinta por Cid Gomes. Juntamente com a SIM, foi extinto o Grupo de Trabalho de Políticas para as Mulheres do governo do Estado. Este GT se reunia, a cada dois meses, com os movimentos de mulheres para discutir a execução das ações do plano.

Se em seis meses o governador fez este destroço, o que as mulheres devem esperar para os próximos anos? No mínimo, o aumento da violência contra as mulheres, uma vez que nada vem sendo feito efetivamente par combatê-la. Em 2006 foram assassinadas 135 mulheres. Até o dia 15 de maio deste ano já haviam sido assassinadas 53 mulheres. O governo não tem propostas para enfrentar os altos índices de desemprego entre as mulheres (especialmente as negras); não apresentou propostas para a área de saúde das mulheres; o Ceará tem um dos mais altos percentuais de morte materna do Brasil, mas não tem um plano efetivo para reduzi-la.

Em seu "esboço" de plano de governo, no eixo que trata das políticas de "promoção da igualdade com equidade social", nas poucas linhas que divide espaço com as propostas para as populações indígenas, quilombolas (a população negra em geral não é citada) e a "diversidade sexual", Cid Gomes apresenta como objetivo estratégico para o sub-eixo mulheres: "Implementar políticas, planos de ação, programas e projetos, incluindo medidas específicas, para eliminar a pobreza entre as mulheres e para garantir a sua autonomia econômica e social, por meio do exercício de seus direitos à educação e ao emprego".

Nada disto, no entanto, foi feito. Nem poderia. O governo não tem um plano de políticas para as mulheres. Não tem, ao contrário de vários outros estados (como Alagoas, Pernambuco, Amapá, entre outros) uma Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres. E não pactuou o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

Este descaso se expressa na realização da II Conferência de Políticas para as Mulheres. Que como está, não passa de uma atividade pro-forma, vazia de sentido para o governo do Estado. Resta aos movimentos de mulheres contar com algum nível de compromisso de algumas prefeituras e do governo federal.

Fonte: http://www.anote.org.br/novosite/destaque.asp?cod=274

quinta-feira, julho 05, 2007

Manifestação em frente ao Iguatemi Empresarial!


Convocamos todos os fortalezenses a comparecerem no dia 06/07 (sexta-feira agora) às 16:30 a uma grande manifestação em frente ao Iguatemi Empresarial.

Uma das reivindicações é a de pressionar a prefeitura a revogar a licença do empreedimento que foi concedida irregularmente pela Secretária do Meio Ambiente.

A Manifestação também irá servir como uma forma de divulgar o "Veto Popular", que é um instrumento constitucional que tem o caráter de vetar não só o Iguatemi Empresarial, mas todas as construções que circundam a área do Cocó.

O Veto é um abaixo-assinado que emana da própria população. O nosso objetivo é coletar 80.000 assinaturas para mandar para a Câmara dos Vereadores para instalar-se um Referendo que seja para proteger toda a área do Parque Ecológico.

Para assinar o Veto você precisa ter em mãos o seu título de eleitor, para constar que você faz parte do eleitorado de Fortaleza.

Divulguem a idéia. Vamos mostrar que acima de tudo o poder emana do Povo.
SOS COCÓ http://www.soscoco.blogspot.com

terça-feira, julho 03, 2007

A pobreza e a filosofia


"...o perdedor, o fraco, frágil e desprovido, o pobre, o esfomeado, o indigente sem recursos, o miserável sem abrigo. Eles existem em tão grande número, no presente, sobre a superfície deste planeta, que passam a fornecer, objetivamente, numericamente, estatisticamente, no limite ontologicamente, a melhor definição da humanidade, sim, do homem, tão difícil de definir, ao que se diz, na filosofia abstrata e especulativa, e no entanto tão fácil de descobrir em torno de si."Michel Serres
Ética: Todo ato humano tem lugar na linguagem. Todo ato na linguagem trás à baila um mundo que se cria com os outros no ato de convivência que dá origem ao humano. Por isto todo ato humano tem um sentido ético, porque é um ato de constituição do mundo humano. Esta ligação do humano com o humano é em última análise, o fundamento de toda ética como uma reflexão sobre a legitimidade da presença do outro. Humberto Maturana
Saudações da pARTE do Hélio RôlaFortaleza é nossa debilidade.

SOS Cocó: lutas, vitórias e perspectivas

João Alfredo Telles Reflete sobre a importância do ressurgimento do SOS Cocó no complicado momento em que o empreendimento Iguatemi Empresarial e a Prefeitura de Fortaleza - com a obra da Av. Juarez Barroso - ameaçam a preservação do Cocó.

Depois de mais de vinte anos de seu nascimento, quando, desde então, alcançou vitórias importantes, como a criação do parque Adahil Barreto e do parque ecológico do Cocó, o ressurgimento do Movimento SOS Cocó recoloca, nesse momento, o debate acerca da relação da cidade com o seu maltratado entorno natural, numa época em que os piores presságios se confirmaram pelos relatórios sobre o aquecimento global.

As vitórias mais recentes foram a decisão da Justiça de mandar parar a Av. Juarez Barroso e a proposta de referendo sobre a construção da Torre do Iguatemi. Sobre a avenida, travamos um debate público com a secretária municipal do meio ambiente (que afirmava ser a obra ecologicamente correta), representamos ao Ministério Público, porque sabíamos que o empreendimento adentrava o manguezal do Rio Cocó. Além disso, a não consulta ao Conselho Municipal do Meio Ambiente e o fato de estar na zona de amortecimento do Parque do Cocó convenceram a Juíza da 5ª. Vara da Fazenda Pública, de que era preciso embargar a obra e realizar o estudo de impacto ambiental. A convocação de um referendo para a Torre também é uma vitória nossa, posto que mostra a mudança de postura da prefeitura, que havia licenciado a obra. Aliás, a prefeitura tem buscado, a um só tempo, justificar o ato de ter concedido a licença e apelar à sociedade para revogar o seu próprio ato. Nada disso, com certeza, teria acontecido, se o movimento não tivesse levantado a questão.

Em nosso atendimento, não é a legislação que é permissiva, mas sim a Secretaria do Meio Ambiente, pois a LICENÇA AMBIENTAL da Torre do Iguatemi foi dada CONTRA O DIREITO. Em pelo menos três aspectos, a licença violou a legislação: A LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO que estabelece que o licenciamento de obras localizadas ou lindeiras em áreas de proteção dos recursos hídricos dependerá da aprovação prévia do Conselho Municipal do Meio Ambiente e posterior aprovação do órgão municipal competente. Ao que se saiba, NUNCA o Conselho foi ouvido sobre o empreendimento do Iguatemi; a RESOLUÇÃO CONAMA 13/90, que determina que, num raio de 10 km das unidades de conservação ( u.c), qualquer atividade que possa afetar a biota será obrigatoriamente licenciada pelo órgão responsável pela administração daquela u.c.; além da necessidade do estudo de impacto ambiental (art. 46, da LEI FEDERAL 9985/2000).

Portanto, se a licença foi concedida ilegalmente, a prefeitura poderia (e pode, ainda) fazer o seu cancelamento, a sua revogação. A Lei Federal 6938/81, em seu art. 9o, estabelece, como instrumento dessa política: IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; e a Resolução 237/97 do CONAMA, em seu art. 19, diz que o "o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer: I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais.

Por tudo isso, o MAIS COERENTE seria, por parte da municipalidade, ACATAR A DECISÃO JUDICIAL e SUSPENDER as obras da AV. JUAREZ BARROSO e CANCELAR A LICENÇA AMBIENTAL concedida à TORRE DO IGUATEMI. Pelas mesmas razões, o MOVIMENTO SOS COCÓ deve continuar sua luta pela suspensão de ambas as obras, tanto nas ruas, como judicialmente, ao lado do Ministério Público do Meio Ambiente.Nesse sentido, o REFERENDO deveria vir após o ato da prefeitura revogando a licença concedida. Com isso, a consulta popular guardaria uma coerência muito grande, referendando o cancelamento daquela licença. No entanto, se o referendo vier a ser convocado para dizer SIM ou NÃO à licença ambiental concedida pela prefeitura para o IGUATEMI, deveremos fazer campanha pelo NÃO. Não pelas mesmas justificativas da prefeitura, mas porque entendemos que a licença foi autorizada contra o meio ambiente e o direito ambiental, o que não nos impede de continuar lutando, pela sua revogação.

Finalmente, seria da maior importância que o Movimento possa vir a apresentar, por meio de UMA LEI DE INICIATIVA POPULAR, uma proposta para a criação de uma Zona de Amortecimento non aedificandi para o entorno do Parque do Cocó, para que não reste mais dúvidas jurídicas ou legais da necessidade de sua proteção. Proteger o Rio Cocó, todo o seu manguezal e todas as suas unidades de conservação seria o melhor presente que se poderia dar a nossa cidade, nesta semana do meio ambiente.

João Alfredo Telles Melo, é consultor do Greenpeace, professor de Direito Ambiental e integrante do Movimento SOS Cocó