segunda-feira, junho 18, 2007

Siderúrgica no Pecém - é hora de ampliar o debate!

Raquel Maria Rigotto*

Instalar uma indústria siderúrgica no Ceará é uma proposta que tem sido divulgada como necessária, importante, promissora, gerando consensos entre os mais diferentes atores sociais que têm acesso à mídia. Mas está na hora de levantar o tapete e nos colocarmos diante de outras dimensões - para além da geração de emprego, renda, divisas, do aumento do PIB e das exportações, da ancoragem de um pólo metal-mecânico... O que pode estar sendo ocultado? Estamos debatendo o que realmente interessa para a maioria da população? Vejamos:
Emprego: como a população local será inserida nos 1.600 empregos que prometem gerar, levando em consideração o grau de incorporação de inovações tecnológicas pelo empreendimento? Ela terá acesso aos postos mais qualificados? Qual o custo do posto de trabalho gerado? Como ele se compara com o investimento, por exemplo, na pesca artesanal, no turismo comunitário, no pequeno produtor agrícola, e em outras atividades que já têm tradição na região? Como serão as relações de trabalho: salários, jornadas, terceirização, cumprimento da legislação trabalhista, etc? E as condições de trabalho: riscos de acidentes e doenças do trabalho, medidas de proteção?

Meio Ambiente: O que há de biodiversidade nos 297 hectares que a usina ocupará? Quantos mais ela comprometerá no seu entorno? O volume de água a ser consumido pela siderúrgica é equivalente ao consumo de um município como Maranguape, que tem cerca de 90 mil habitantes. A fonte é o açude Sítios Novos, em Caucaia. Podemos ceder este precioso bem do semi-árido a estes empreendedores estrangeiros? A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) garante, durante 21 anos, o suprimento de energia elétrica a 180 megawatts médios. Isto representa mais de 1/6 (ou 14,4%) da potência fornecida para os estados do Ceará e de Pernambuco. A Usina gerará 1,3 milhão de m3/ano de esgoto industrial. Como vai ser tratado e destinado? Uma indústria siderúrgica emite diversos poluentes da água: metais pesados como o cádmio, o cromo, cobre, chumbo; hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, cianetos, cloretos, e fluoretos. Como vai ser evitada a contaminação do mar, rios e águas subterrâneas? E se não for, como isto vai repercutir nos peixes, mariscos e crustáceos, e na saúde dos consumidores? A siderurgia produz também emissões para a atmosfera de monóxido de carbono, gases nitrosos e sulfurosos; compostos de arsênico, de mercúrio, hexaclorobenzeno, além dos metais pesados. Se não se exige que os empreendedores invistam recursos significativos no controle da contaminação ambiental, como ficará a saúde de nossas crianças, por exemplo?

Saúde: Os trabalhadores, as comunidades do entorno e mesmo a população em geral estarão expostos a acidentes industriais maiores, como incêndios, explosões, contaminação de extensas áreas e de diversos ecossistemas. Podem ocorrer ainda intoxicações agudas e crônicas pelos contaminantes químicos gerados; o aumento da taxa de câncer e de malformações congênitas, como vários estudos sobre os impactos de grandes empreendimentos demonstram. Além, é claro, das repercussões de outras transformações sobre a saúde- na cultura, nos valores, nos hábitos, no ritmo de vida, na cidade. Aqui estão os acidentes de trânsito, especialmente com ciclistas e motociclistas; a gravidez precoce, as doenças sexualmente transmissíveis e a AIDS; o alcoolismo e a difusão do uso de outras drogas, o sofrimento psíquico e os transtornos mentais, a perda da identidade histórica da comunidade; o acirramento da violência urbana, etc.
Muitos outros aspectos ainda poderiam ser levantados - por exemplo, quais os impactos para o Pecém do período de construção da Usina, que deverá ocupar 3.600 pessoas? O lugar já viveu isto na época da construção do Porto, e as pessoas que lá vivem têm muitas histórias tristes para contar...

A teia que articula estas dimensões é muito clara, e não se pode ser ingênuo neste mundo globalizado. Este tipo de empreendimento - que consome recursos naturais, que gera degradação e contaminação ambiental, que envolve um trabalho perigoso e insalubre - vem sendo "expulso" dos países e regiões "desenvolvidos". Eles estão fugindo de legislações ambientais, trabalhistas, sanitárias e fiscais mais rigorosas e responsáveis. Correm de sociedades organizadas, onde a informação circula com mais transparência e fortalece ONGs e sindicatos. Vêm aqui em busca de nosso solo barato, de nossa mão de obra barata e resignada, de nossa água providenciada e cedida com diligência, agregando valor e competitividade a seus produtos graças à fragilidade institucional. É o dumping social e ambiental, que norteia a re-localização da produção no espaço mundial. E aqui os recebemos com as alvíssaras do progresso, e ainda os presenteamos com isenções fiscais!

Áqueles que dizem que o empreendimento é viável, sustentável, que é desenvolvimento, é preciso perguntar: para quem? Quanto aos investidores e à elite nacional e local que a eles se associa, não há dúvidas. Mas, e para a imensa maioria do povo cearense? E para o nosso Planeta? E para as gerações futuras? E ademais, a população foi ouvida se deseja este empreendimento, num processo transparente, claramente informado, democrático? Se não houver espaço para discutir outros caminhos para o Ceará - fundados em suas riquezas naturais, históricas e culturais; na promoção da equidade, da qualidade de vida e da justiça ambiental - que pelo menos se discutam quesitos, critérios, exigências a serem impostas aos investidores; ao lado da preparação de todas as ações públicas necessárias para tentar proteger dos danos àqueles que não têm a mesma mobilidade do capital: nós, povo do Ceará!
* Raquel Rigotto é Professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC. Núcleo TRAMAS - Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade.

2 comentários:

Claudinha disse...

Passei por aqui, para retribuir a tua visita. Mais tarde, com mais calma, escrevo outro comentário. Abração!

Anônimo disse...

Andrezim!!! Dá uma olhadinha no site que a gente tá fazendo...

www.aepidemia.org

Beijo saudoso*